segunda-feira, 26 de maio de 2014

Neal é uma Lenda Viva


Neal Adams nasceu em 15 de junho de 1941.  Numa entrevista ao cineasta Kevin Smith[1], ele falou sobre as alegrias de sua infância - incluindo sua grande habilidade para o desenho - e também sobre as dificuldades financeiras de sua juventude, quando às vezes ele e a mãe não tinham nem o suficiente para a alimentação.  Sabendo, desde cedo, que uma Universidade estaria fora de questão por motivos financeiros, ele cursou o ensino médio numa escola técnica: a School of Industrial Art, onde aperfeiçoou suas técnicas de desenho e aprendeu pintura e ilustração, muito usadas na publicidade – ainda mais naquele tempo.  Ao tentar uma chance nos quadrinhos, foi rejeitado pela DC e, em 1960, arranjou trabalho com a Archie Comics.  Depois passou a trabalhar com publicidade  e, em 1962 desenhou tiras de jornal para a série Ben Casey (adaptação de um personagem de TV).  Em 1967, já estava fazendo capas para a DC em títulos como Action Comics (que era o carro-chefe da editora) e  Superman's Girl Friend, Lois Lane, além de desenhar o Desafiador (Deadman) e fazer trabalhos para a Marvel, como a capa de X-Men 63, de dezembro de 1969. 

Uma das contribuições de maior impacto de Neal Adams para os quadrinhos foi sua abordagem do Batman, em parceria com Denny O'Neil. 
Uma das capas mais célebres do artista.
Batman n° 251 - Setembro, 1970
Arte: Neal Adams

Naquele tempo, o grande público via o personagem sob o viés humorístico da série de TV, que fez grande sucesso, mas Neal e Denny resolveram voltar às origens mais sombrias do “cruzado de capa”.   O lançamento de Detective Comics 395 (janeiro de 1970) foi um marco na história dos quadrinhos por ser a estreia de Neal no personagem.  

Mais ou menos na mesma época, Neal Adams e Denny O’Neil reuniram os dois heróis “verdes” da DC: Lanterna Verde e Arqueiro Verde - e iniciaram uma das mais relevantes sagas dos quadrinhos.  A revista Green Lantern passou a chamar-se Green Lantern/Green Arrow a partir do n° 76, e foi com esse título que veiculou as aventuras dessa dupla improvável: o conservador Lanterna e o revolucionário Arqueiro.  Juntos, os dois percorreram os Estados Unidos, frequentemente discutindo por causa de suas ideologias conflitantes.   As histórias lidavam com temas controvertidos, como o perigo do uso de drogas e o racismo.  Costuma-se dizer que foi com essa série que os quadrinhos chegaram à maturidade. 
Green Lantern/Green Arrow n°76
Abril de 1970
Arte de Neal Adams
Sobretudo, Neal Adams foi um dos grandes defensores dos interesses de Jerry Siegel e Joe Shuster – os criadores do Superman, que venderam os direitos sobre o personagem em 1938, quando ainda eram bem jovens, e foram vendo os empresários do ramo fazerem fortunas com sua criação enquanto eles próprios ficaram em séria situação financeira.  Na década de 70 do século passado, a dupla estava na faixa dos sessenta anos; Siegel era empregado dos Correios e Shuster, praticamente cego, mal conseguia trabalhar e vivia no apartamento do irmão[2] (ou num asilo, conforme a Wikipedia).  Não tinham assistência médica ou aposentadoria assegurada, e Superman rendia milhões.  Não receberam nada pelo filme Super-Homem (1978), enquanto o ator Marlon Brando recebeu 3,7 milhões de dólares por duas semanas de filmagem, e o escritor Mario Puzo ganhou 250 mil dólares pelos dois primeiros rascunhos do roteiro.  O personagem criado há tanto tempo dava dinheiro a muita gente, mas não a seus criadores.  O futuro parecia sombrio.  No entanto, graças ao esforço conjunto de várias pessoas do ramo – sempre com grande apoio e militância de Neal Adams – Siegel e Shuster conseguiram celebrar um acordo com os titulares dos direitos sobre o personagem e puderam passar de forma confortável seus últimos anos.

Por essas e por outras, Neal Adams é uma lenda viva dos quadrinhos.





[1] Podcast Fatman on Batman – números 54 e 55.
[2]JONES, Gerard. Homens do Amanhã. São Paulo: Conrad, 2006.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

O “X” da Questão

X-Men n° 1
Setembro de 1963
Capa de Jack Kirby e
Sol Brodsky


Na década de 1960, os leitores de quadrinhos foram apresentados a personagens que ganharam superpoderes por causa de acidentes - como Peter Parker (Homem-Aranha), Matt Murdock (Demolidor) e Bruce Banner (Hulk).   Stan Lee, co-criador de todos esses personagens, pensou então em criar heróis que já nasceram com superpoderes. Assim começa a emaranhada história dos X-Men.

A revista original (X-Men n°1) foi lançada em setembro de 1963, fruto de mais uma parceria entre Stan Lee e Jack Kirby, e teve histórias inéditas até o n°66.  As edições de n° 67 (dezembro de 1970) ao n° 93 (junho de 1975) trouxeram reprises.   Muitos anos depois (entre dezembro de 1999 e setembro de 2001) o excelente John Byrne criou a série limitada The Hidden Years, contando o que estava acontecendo à equipe durante aquele período. 

Giant-Size X-Men n°1
Maio de 1975
Capa de Gil Kane, Dave Cockrum
e Danny Crespi
Voltemos à década de 1970.  Em maio de 1975 saiu Giant-Size X-Men #1, inaugurando uma nova fase, e um jovem chamado Chris Claremont começou a escrever a partir da edição #94 (julho de 1975).  A expressão “Uncanny” começou a ser utilizada na capa no n°114, e o título foi oficialmente adotado no n°142.  Todas as edições anteriores foram retroativamente designadas Uncanny X-Men, para fins de catálogo (e confusão de nossas cabeças).

Chris continuou  trabalhando na revista  até o n°279 (agosto de 1991). Foram cerca de 16 anos ininterruptos à frente do título, fazendo com que o autor entrasse para o livro dos recordes.  Dois meses depois, em outubro de 1991, foi lançado um novo título chamado simplesmente X-Men (sem interrupção do título tradicional, Uncanny X-Men), com roteiros de Chris Claremont e arte de Jim Lee.  Chris saiu após escrever os três primeiros números.  De 2001 a 2004, essa revista (X-Men) passou a se chamar New X-Men e em fevereiro de 2008, tornou-se  X-Men: Legacy .

Claremont voltou ao universo dos X-Men em julho de 2001, com X-Treme X-Men n°1.  Ele escreveu todos os 36 números dessa nova série, que perdurou até 2004.  Entre 2012 e 2013, a série foi relançada com roteiros de Greg Pak.

Em julho de 2004, Chris Claremont voltou novamente a Uncanny X-Men, e continuou a escrever até o n° 473 (agosto de 2006). O número final da revista foi o 544, de outubro de 2011.    Encerrava-se o chamado “Volume 1” do título.

De janeiro a dezembro de 2012, foi publicado o “Volume 2”,  com roteiros de Kieron Gillen e, em janeiro de 2013, Uncanny foi relançada como parte da iniciativa Marvel NOW, e continua até hoje, em maio de 2014.  É o chamado “Volume 3” da revista. 

De todo esse material, o de Claremont chama atenção por causa da longa relação entre o autor e os personagens – os quais ele soube desenvolver e explorar como poucos.   Foi dessa fase que saíram alguns dos momentos mais marcantes dos X-Men, como os ciclos de histórias que ficaram conhecidos como “A Saga da Fênix Negra”, “Dias de Um Futuro Esquecido” (que agora foi adaptada para o cinema), e “A Queda dos Mutantes”.  Em contrapartida, surgiu uma dificuldade: as histórias foram ficando tão complexas, tão cheias de idas e vindas, com tantas referências internas, que corriam o risco de afastar novos leitores – ainda mais naqueles tempos sem Internet, onde o máximo que alguém poderia fazer para se atualizar era tentar comprar números anteriores numa loja de gibis (que até hoje são raras no Brasil) ou perguntar aos amigos o que estava acontecendo.  

Um exemplo que deixa marcas até hoje é a morte de Jean Grey, a Garota Marvel, mostrada em X-Men 137 (dezembro de 1980). Alguns anos depois, surge uma sósia (na verdade, clone) da personagem: é Madelyne Prior (Uncanny X-Men 168, de abril de 1983).  A própria Jean reaparece em Fantastic Four 286, de janeiro de 1986, onde ficamos sabendo que ela não havia morrido.  Por fim, em New X-Men 150 (fevereiro de 2004), Jean morre de maneira definitiva - até o momento...

Essas reviravoltas são comuns quando se trata de X-Men - sendo que, 25 anos depois de Madelyne cruzar o caminho dos heróis mutantes pela primeira vez, ela aparentemente volta no n° 503 de Uncanny X-Men (dezembro de 2008), envolta em muita especulação do público quanto ao fato de ser a “verdadeira” personagem ou alguma outra entidade.    Falar sobre Jean Grey e Madelyne Prior para alguém que esteja começando agora a ler quadrinhos pode levar tempo. 

Outro exemplo interessante: em 1986 surgiu o título X-Factor, com uma equipe formada pelos X-Men originais (Fera, Anjo, Homem de Gelo, Cíclope e Garota Marvel), que foi agregando outros personagens.  E, em 2005, foi lançado um novo ­X-Factor, que agora era uma espécie de agência de detetives mutantes, com personagens diferentes.


É por essas e por outras que a leitura de gibis é um hobby, mais do que a simples atividade de ler.  É como acompanhar os jogos de um time, as trocas de técnicos e jogadores, a atuação dos árbitros e sem perder de vista o plano geral do campeonato.