Os quadrinhos não são um gênero de entretenimento: são, na
verdade, uma mídia, um meio de divulgação – assim como o teatro, o cinema e a
televisão. Dizer “eu gosto de
quadrinhos” é como dizer “eu gosto de teatro”: estamos falando de um veículo, e
não de um estilo em si. Esse veículo
pode servir ao drama, à aventura, a pornografia, à comédia ou a qualquer outro
gênero.
O americano Will Eisner (1917-2005), artista genial e
sensível, mostrou que os quadrinhos
prestam-se a narrativas poéticas, dramáticas e profundas. O sucesso das aventuras do justiceiro Spirit
(desenhadas de forma magistral e inovadora) abriu caminho para as obras
dramáticas que consagraram Eisner como um grande autor – a exemplo daquelas
reunidas na excelente antologia New York,
que mostra a solidão, os desencontros e os anseios de moradores de uma
cidade grande.
O canadense Guy Delisle chega às raias do estudo
antropológico com álbuns sobre suas viagens, onde ele narra as diferenças
culturais que encontrou ao redor do mundo.
Os desenhos aparentemente simples mas altamente expressivos combinam com
a atmosfera das histórias e funcionam como um perfeito complemento para a
narrativa.
O maltês-americano Joe Sacco usa os quadrinhos como forma de
jornalismo. Seus temas recorrentes são a
Guerra da Bósnia e os conflitos sociais, políticos e culturais entre palestinos
e árabes no Oriente Médio. Sacco ganhou
diversos prêmios, como o American Book
Award de 1996 pelo álbum Palestina,
onde narra suas viagens por Israel, Cisjordânia e a Faixa de Gaza em 1991 e
1992. O livro retrata suas conversas com
os habitantes da região - principalmente palestinos que viviam em péssimas
condições. São pessoas comuns – não necessariamente
terroristas ou políticos – que estavam vivendo na pobreza, prejudicados pela
burocracia e sentindo-se injustiçados.
Outro exemplo que não poderia faltar é do também americano Art
Spiegelman, ganhador do prêmio Pulitzer por Maus
(“camundongos”, em alemão no original): uma história do holocausto, contada
pelo pai do autor, que foi sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz. Na história, os judeus são representados como
camundongos, e os alemães, como gatos.
Apesar do toque aparentemente infantil, a trama é pesada e mostra todo o
sofrimento, os conflitos, o desespero, a dor dos perseguidos, os meios
utilizados para a sobrevivência – e até mesmo as marcas que esse processo deixou
no pai do autor.
Jean Giraud (1938-2012) foi um dos grandes quadrinistas franceses
e, possivelmente, um dos melhores do mundo.
Ilustrou a famosa série Blueberry,
ambientada no Velho Oeste, e, sob o pseudônimo de Moebius, produziu uma vasta
obra de fantasia e ficção científica – que, felizmente, vem sendo publicada no
Brasil pela Editora Nemo em excelentes edições encadernadas. Em colaboração com Stan Lee, criou uma
minissérie vencedora do Prêmio Eisner sobre o Surfista Prateado. Seu talento foi admirado por cineastas
como o italiano Federico Felini (diretor do clássico La Dolce Vita) e o inglês Ridley Scott (de Gladiador, Cruzada e Prometheus),
além de escritores como William Gibson (autor de Necromancer, um marco da ficção científica).
Quadrinhos podem ser coisa séria. Basta que o leitor abandone o preconceito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário